Finados: Dia que fiz selfie no cemitério

Finados: Dia que fiz selfie no cemitério

Compartilhe:

A selfie também conhecida como autorretrato na câmera do celular, para alguns, é uma forma de mostrar o seu cotidiano. Entretanto, tem gente que pensa que tudo tem limite. Eu, por exemplo, penso que alguns limites precisam ser quebrados com a finalidade de registrar o cotidiano. E uma delas foi uma selfie no cemitério.

Isto aconteceu no dias que antecedem o dia de finados, no qual neste ano será bem diferente seguindo todo protocolo. Nenhuma lápide foi pisada ou identificada durante a selfie no cemitério, para começo de conversa.

Não diria o Novo Normal, uma vez que as coisas tiveram mudanças abruptas por conta da pandemia do Covid-19. Um exemplo foi fugir das aglomerações no exato 02 de novembro e fomos visitar o cemitério no dia 30 de novembro.

Além disso, minha mãe e tia Ana queriam apurar uma denúncia do meu primo mais velho Gibson (não se pronuncia como a marca de guitarra) que o suporte para flores do túmulo de vovô havia sido furtado. Ao chegar no cemitério, considerado o maior de Natal e privado, vimos que a lápide estava intacta.

Antes do dia de finados, as pessoas resolveram se antecipar

O cemitério nos tempos de Covid

Então, a gente deu a risada de alívio. Depois do susto, mainha disse: “Vamos comprar flores”. Enquanto isso ficara olhando as estátuas, as urnas de Francisco Brennand expostas para vendas, gente indo e vindo do crematório, as pessoas rezando pelos seus entes queridos e os aumentos das lápides devido às mortes por conta do Coronavírus. Fiquei só analisando e entrando no meu mundo para pensar sobre a vida.

Sabia que eram novas por conta de que elas não estavam tanto desgastadas quanto as outras. Entrava na minha análise dentro da minha mente, mostrando que o ciclo muda o tempo todo e não temos controle das coisas.

Os funcionários estavam montando os preparativos para o dia 02 de novembro, apesar de que tinha gente vendendo artigos na porta do cemitério. Barraca sendo montada, bancos instalados e flores chegando sem parar.

Antes que eu esqueça tudo estava demarcado, cheio de plaquinhas de álcool em gel, as capelas tinham acesso restrito e só podiam entrar uma pessoa por vez nas salas de atendimento. As máscaras estavam lá, independente se era funcionário ou visitante.

Você pode ler também:  Abraham Palatnik, potiguar com suspeita de Covid-19

Mesmo na hora de rezar, as pessoas ainda estavam de máscara e chorando pelos entes queridos. Nunca pensei que um dia teria que usar máscara o tempo todo até para chorar, já que o ar que respiro pode me matar igual conto de Stephen King.

Volto para o Planeta Terra quando mãe e tia me perguntam se quero lanchar, claro que aceito. A coxinha com coca de lei pedi, enquanto tia e mãe estavam discutindo o lanche menos gorduroso para escolher.

Lanchando no cemitério

Depois ficamos numa pracinha em frente ao túmulo e começamos a lanchar, rindo que não estávamos com medo de lanchar no cemitério. Retiramos as máscaras e começamos a comer, além de relembrar os bons tempos.

– Se fosse no cemitério do Alecrim vocês lanchariam ?

Minha tia responde:

– Nem a pau, morro de medo daquelas tumbas e cheias de cruzes, parece filme de terror. Aqui pelo menos é tranquilo, traz paz e parece um parque. Lá no Alecrim tem lanchonete ou banquinho?

Mãe responde:

– Claro que não! Só túmulo mesmo, mas a gente podia comprar uma Boku’s numa cigarreira (banca de jornal) por perto.

Eu bem gaiata digo:

– Imagina comer a Boku’s em cima das lápides, bem góticas no cemitério.

Mainha começa a rir e minha tia pede respeito aos finados.

Pessoas se despedindo do ente querido

Relembrando as boas memórias

Após o lanche, colocamos a máscara de volta, por motivos óbvios, sem deixar de falar pelos cotovelos.

O luto acaba quando a dor e a saudade viram memórias e lembranças boas. Relembrei dos 10 anos que convivi com meu avô e começamos a questionar algumas coisas sobre o que faria hoje com quase 100 anos:

  • O que vovô iria pensar na pandemia?
  • Mainha dizia que ele iria esculhambar o Jair Bolsonaro, ficava doente de raiva quando o povo dizia que a Ditadura Militar era uma revolução.
  • Lembramos do seu ótimo conhecimento de filosofia, política e sociologia sem ter ido numa faculdade.
  • Minha tia relembrou das trollagens que ele fazia pelo fato das pessoas ligarem para casa dele achando que era o Batalhão de Engenharia
  • Ficamos falando que iria amar a casa cheia de crianças, após a sua morte nasceu mais três netos
  • Lembrando dos debates que vinham desde futebol no rádio até falar da situação política do país
  • Da minha alegria de passear de fusca até a padaria
Você pode ler também:  Sociedade T apresenta novo espetáculo neste FDS

Fizemos uma reza e deixamos três flores bonitas para colocar no túmulo. Além disso, ficamos refletindo e esperando que ele esteja descansando em paz.

Por que fizemos uma selfie no cemitério?

Antes de sair, a minha tia, contudo, traz um pedido inusitado. Fazer uma selfie com nós três perto dos túmulos. Aí ela justifica: “Para mostrar que a pandemia foi tão doida que até em dia de finados tivemos que usar máscara e obedecer às regras de isolamento social”. O resultado é a foto acima do título.

Mainha, por incrível que pareça, também concordou: “Mostre aos seus dessedentes como viver numa epidemia mundial e isso foi estranho. Cuidado com o que você vai falar no Brechando, porque conheço a sua intenção e suas gaiatices”.

Ainda pediram para fotografar as flores compradas com o objetivo de mostrar para minha avó. “Sua avó vai ficar feliz porque estamos cuidando do seu avô”, afirmou tia.

A selfie no cemitério foi feita, a história também, meus antepassados estão descansando e vamos compartilhar os seus legados.

 

Tags

Commente aqui

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

compartilhe:

Sobre lara

Jornalista e publicitária formada pela UFRN, começou despretensiosamente com um blog para treinar seu lado repórter e virou sua vitrine. Além disso, é mestranda em psicologia na UnP e ainda é doida o suficiente para começar mestrado em Estudo da Mídia na UFRN. Saiba mais sobre esta brechadora.

Desenho: @umsamurai.



Últimas brechadas



Breche aí