Luz Del Fuego, pioneira do naturismo no Brasil

Luz Del Fuego, pioneira do naturismo no Brasil

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Sérgio Sampaio é considerado o maldito da Música Popular Brasileira (MPB). Porém, ele não foi o único almadiçoado de Cachoeiro de Itapemirim, Espírito Santo. A criadora do naturismo brasileiro também é natural de lá e foi conhecida pelos brasileiros pela alcunha de Luz Del Fuego. Para comemorar os seus 103 anos de história, marcada para a próxima sexta-feira (21), vamos contar a história de uma das mulheres que bateu de frente com o conservadorismo do país.

Seu nome de batismo é Dora Vivacqua, nasceu em 21 de fevereiro de 1917 e é a décima-quinta filha de Etelvina Souza Monteiro Vivacqua e José Antônio Vivacqua. A família Vivacqua se mudou para Belo Horizonte quando tinha três anos e lá frequentava os saraus onde participavam Carlos Drummond de Andrade e Pedro Nava eram realizados. Em Minas, descobriu o serpentário da Fundação Ezequiel Dias, que logo se tornou o seu lugar preferido, e começou a participar, aos quatro anos, dos saraus promovidos pela turma modernista de Belo Horizonte. Concluiu o ensino superior e bacharelou-se em Ciências e Letras.

Ela nunca foi considerada uma boa menina, costumava caminhar pela praia de Marataízes, no Espírito Santo, somente de roupa íntima e bustiê improvisado com lenços. Nos carnavais, sempre aparecia com curtas fantasias confeccionadas por si, e tinha verdadeira aversão às convenções sociais e às ideologias conservadoras que lhe eram impostas. Certa vez, aos vinte anos, fugiu para o Rio de Janeiro, e, após ser encontrada pela família, foi enviada ao Colégio da Imaculada Conceição, em Botafogo, do qual se retirou após atingir a maioridade, à época, 21 anos.

Após a morte do pai, ela foi morar no Rio de Janeiro e foi introduzida ao meio artístico e cultural pelo radialista César Ladeira, da Rádio Mayrink Veiga, e, mais tarde, conheceu José Mariano Carneiro da Cunha Neto, no Cassino da Urca, que a levou aos locais frequentados pela elite brasileira A família Vivacqua logo enfrentou problemas com o comportamento da garota, especialmente o seu irmão, Atílio Vivacqua. Contrariando-o, ela ingressou na equipe de um circo aos 15 anos e Atillio, então eleito deputado constituinte, decidiu mandá-la de volta para Belo Horizonte a fim de evitar o envolvimento de seu nome em escândalos.

Após retornar para Minas, foi morar com a irmã Angélia e o marido da mesma, Carlos, que começou a assediá-la. Quando flagrado pela esposa, ele convenceu-a de que foi Dora a responsável pelo acontecido e fez a família considerá-la esquizofrênica, o que resultou no internamento da moça no Instituto Raul Soares por um período de dois meses em 1936. Quando deixou o manicômio, a jovem havia perdido dez quilos e, por sugestão de seu irmão Achilles, que com ela estava preocupado, foi morar na fazenda de Archilau, um outro irmão seu. Porém, a sua estadia não durou muito tempo, uma vez que foi repreendida pelo irmão, Dora agrediu-o e, consequentemente, foi uma vez mais internada em uma clínica psiquiátrica, desta vez na Casa de Saúde Dr. Eiras, no Rio de Janeiro. Achiles novamente interveio a seu favor e, após deixar o local, ela foi viver com outra irmã, Mariquinhas, em Cachoeiro.

Em novembro de 1937, Dora fugiu de volta para Rio, onde reatou o romance com Mariano, mas nunca quis oficializar a relação, que durou cinco anos. Novamente na, à época, capital do país, conseguiu, com o auxílio de Fernando de Sousa Costa, então Ministro da Agricultura, ingressar em um aeroclube para adquirir um brevê e, pouco depois, começou a praticar paraquedismo, mas parou de fazê-lo por exigência de Mariano. As desavenças entre o casal intensificaram-se quando Dora matriculou-se em um curso de dança de Eros Volúsia: Mariano exigia-lhe o abandono das aulas, mas ela o ignorou; deixou-o após descobrir que ele mantinha uma relação amorosa com outra mulher.

Na década de 1940 adotou seu nome que a tornou conhecida, Luz Del Fuego, onde começou a sua apresentação de dança com serpentes, no qual ela apresentou vários espetáculos na noite carioca. A sua primeira exibição no teatro de revista ocorreu em agosto do mesmo ano, na peça “Tudo é Brasil”, realizada no Teatro Recreio. Em 1945, a dançarina exibiu-se em casas de espetáculos fora do país, como Estados Unidos, Panamá, Uruguai e Argentina.

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Por falar nos Estados Unidos, passou uma temporada na América do Norte entre 1947 e 1948, aprimorando os seus estudos de dança moderna. Foi também nesta época em que del Fuego descobrira os filósofos existencialistas e as colônias nudistas da Europa e resolvera aprofundar os seus conhecimentos sobre os temas. Tornou-se adepta do naturismo e decidiu ser a precursora de sua implementação no Brasil.

Em 1949, iniciou uma série de espetáculos pelas danceterias do Norte e Nordeste do país, tendo sido impedida de apresentar-se pelas autoridades no Maranhão e submetida a restrições em Fortaleza.

No ano seguinte, ela participou da peça “Cutuca por baixo”, com Dercy Gonçalves e Linda Batista, no qual realizava apresentações nua e adornada por apenas cinco cobras. Em 1951, fundou Naturalismo, a primeira revista do país a exibir genitálias em suas publicações, que teve 21 edições até 1954.[22]

Não demorou muito para voltar a sofrer repressões, pois no Brasil, àquela época, nem sequer era permitido o uso de maiô de duas peças nas praias e as suas ideias e apresentações trouxeram-lhe vários problemas, como acusações de atentado ao pudor e aos “bons costumes”, diversas multas e intimações a delegacias. Numa atuação em São Paulo, em 1951, por exemplo, foi detida durante o espetáculo devido aos seus trajes e acabou por ser multada, embora tenha declarado.

Em 1953, um grupo católico de Juiz de Fora, liderado pelo bispo Dom Justino José de Sant’Ana, da arquidiocese local, conseguiu fazer com que as autoridades não a permitissem apresentar-se no município. Casos semelhantes foram registrados noutras regiões, como em Sergipe e Valença, tendo sido, em ambas, impedida de atuar. Também em 1953, foi detida e condenada a seis meses de prisão por ultraje ao pudor e desacato à autoridade em uma festa carnavalesca, mas absolvida, e orientada a submeter-se a exames de sanidade mental por um representante do Ministério Público, em 1955, que sugeriu o seu internamento em um manicômio.

Em 1954, Luz del Fuego fundou o Clube Naturista Brasileiro, estabelecendo a primeira área para a prática de Naturismo no país. Para esse fim, escolheu uma das ilhas interiores na baía de Guanabara, próximo à Praia do Gradim, em São Gonçalo, que rebatizou como Ilha do Sol.

Várias personalidades do cinema de Hollywood estiveram na ilha à época, como Errol Flynn, Lana Turner, Ava Gardner, Tyrone Power, Cesar Romero, Glenn Ford, Brigitte Bardot e Steve MacQueen.[3] Porém, mesmo estrelas do porte de Jayne Mansfield foram barradas no pier por não quererem se despir.

A nudez total era obrigatória na Ilha do Sol. Ninguém, nem mesmo autoridades e personalidades, podia entrar na ilha sem deixar toda e qualquer peça de roupas ainda no píer. À época, os bailes de Carnaval na ilha tornaram-se famosos, causando grande polêmica na imprensa e na sociedade conservadoras de então.

Em 1955 a Federação Internacional de Naturismo (INF-FNI) reconheceu oficialmente o surgimento do movimento naturista no Brasil, relacionando a Ilha do Sol e o Clube Naturista Brasileiro como um de seus afiliados.

Por volta dos anos 1960, Luz del Fuego foi morar na Ilha do Sol. Entre 1960 e 1961, atuou em “Carnaval da Ilha do Sol”, no Teatro João Caetano, com Wilza Carla e Costinha, e, em 1962, apresentou-se em Campos do Jordão e recebeu propostas para excursionar pela América do Sul. No entanto, afastou-se dos teatros de revista nesse mesmo ano, retornando somente em 1964 com espetáculos em São Paulo. Ainda àquele ano, a dançarina estrelou “Boas em Liquidação”, com Sônia Mamede, no Teatro Rival, que registrou boa bilheteria e foi convidada pela Federação Internacional de Nudistas para viajar à Alemanha, onde concorria ao título de “Mais Bela Nua do Mundo”.

Em outubro de 1965, Luz queixou-se à polícia da visita de malfeitores à Ilha do Sol e denunciou os irmãos pescadores Alfredo Teixeira Dias e Mozart “Gaguinho” em busca de fortuna. Meses depois, del Fuego dirigiu-se novamente às autoridades e denunciou-os pela prática de ações criminosas na região, inclusive pelo assassinato de um outro pescador.

Na noite de 19 de julho de 1967, uma quarta-feira, Alfredo convocou o irmão para ir à Ilha do Sol para conversar com Luz, porém, revelou durante o percurso que a pretendia assassinar para vingar-se da artista. Quando a dupla chegou à Ilha, os cães da dançarina fizeram alarde e ela apareceu em seguida, portando um revólver. Alfredo, então, disse-lhe que a embarcação por ela utilizada para transporte estava a ser furtada e convenceu-a a ir com ele atrás dos “criminosos”. Ao se afastarem da ilha, ele desferiu-lhe violento golpe na região da cabeça, que a fez cair. Em seguida, abriu-lhe o abdome com golpes de arma branca. Os dois retornaram à ilha, onde encontraram o caseiro Edigar Lira e com ele fizeram o mesmo. Alfredo e Mozart, então, amarraram os corpos a pedras, lançaram-nos ao mar e depois retornaram à ilha para saquear a residência da vítima.

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O desaparecimento de del Fuego repercutiu nos noticiários de todo o país e chegou a ser encarado como um golpe de publicidade por alguns meios de comunicação. Tal hipótese foi descartada após o delegado Rui Dourado, da Terceira Delegacia Distrital, encontrar, no dia 23, a residência da artista em desordem e verificar por meio de um levantamento que objetos de valor haviam sido furtados. Foram detidos nesse dia Agildo dos Santos, ex-funcionário de Luz, e o portuário Hélio Luís dos Santos, ex-amante da artista e apontado como o principal suspeito por tê-la agredido duas semanas antes, mas os policiais prosseguiram com as buscas pela Ilha do Sol, por Niterói e por ilhas vizinhas, onde acreditavam estar escondido Mozart, o segundo suspeito, visto que havia, meses antes, assaltado a residência da naturista três vezes, e à procura de dois pedreiros que trabalhavam para Luz e haviam desaparecido após o acontecido.

No dia 25, a embarcação da dançarina foi encontrada próxima à Ilha do Braço Forte por portuários, que perceberam nela manchas de sangue e resolveram comunicar às autoridades. Também os familiares da nudista afirmaram, nesse mesmo dia, não saber onde ela estava.

Os corpos de Del Fuego e de Edigar foram encontrados apenas em 2 de agosto de 1967. A cerimônia fúnebre da artista ocorreu no dia seguinte, no cemitério São João Batista, e foi realizada por amigos e alguns familiares; Edigar foi sepultado no dia 4.

Após ser detido, Alfredo, inicialmente, pôs a culpa no ex-amante da artista, Hélio. Segundo a sua versão, ele e Mozart pescavam quando o portuário os abordou, mostrando-lhes a embarcação em que estavam as vítimas e oferecendo-lhes recompensa para que se desfizessem dos corpos, tendo os dois aceitado a proposta.

Já o seu irmão realizou tentativas de fugas, que resultaram em uma troca de tiros com policiais e no assassinato de Júlio Pereira da Silva, investigador de polícia. Mozart entregou-se às autoridades no dia 15 de agosto por intermédio de seu advogado e, no mesmo dia, foi acareado com Alfredo pelo delegado Godofredo Ferreira, revelando toda a verdade sobre o homicídio. O interrogatório foi realizado no prédio da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio e Mozart inocentou Hélio. Tanto ele quanto o irmão foram condenados a 31 anos de prisão, em 1968.17

Hoje, a dançarina é considerada um ícone para o movimento feminista brasileiro, pois desde os anos 1940 lutava pela emancipação feminina, buscando “amparar a mulher e torná-la independente” e “[tirá-la] do caos (…), dar-lhe altivez pelo trabalho, erguê-la pela honra e pelo direito que lhe cabe no seio da sociedade”.

Além disso, foi homenageada pela cantora Rita Lee, em 1975, em uma canção epônima na qual é chamada “uma mulher sem medos”. Em 2010, a naturista foi incluída na lista “Musas que fizeram a história do Rio”, elaborada pelo G1. Em 2011, na exposição “Brasil Feminino” — que narrava a trajetória social da mulher brasileira desde o período colonial —, realizada durante o XVI Encontro Nacional do Programa Nacional de Leitura, na Biblioteca Nacional do Brasi.

Confira uma reportagem sobre a artista e um vídeo de sua perfomance:

https://www.youtube.com/watch?v=Zd6V2DEYxAw

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Sobre lara

Jornalista e publicitária formada pela UFRN, começou despretensiosamente com um blog para treinar seu lado repórter e virou sua vitrine. Além disso, é mestranda em psicologia na UnP e ainda é doida o suficiente para começar mestrado em Estudo da Mídia na UFRN. Saiba mais sobre esta brechadora.

Desenho: @umsamurai.



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