[CRÔNICA] Do Céu, a sua vida é boa

[CRÔNICA] Do Céu, a sua vida é boa

Compartilhe:

O Guimarães Rosa já dizia:

“O Sertão é dentro da gente”

Nasci e cresci na capital do Rio Grande do Norte, apesar das minhas raízes serem do interior, no qual meu pai fazia questão de me levar para o sítio onde meus avós moravam para conhecer um pouco do sertão. Que belo acerto que minha bisavó fez ao colocar o nome da minha avó de Maria do Céu, esta ariana que não tem nada de satanáries. Calada e quietinha, com um olhar e expressão sabemos muito bem o que ela quer, sua opinião e os seus sentimentos. Ela fala com os olhos, acho que é a coisa mais poética que voinha possui. Hoje, 29 de março de 2018, ela completa 88 anos. Mulher de fibra e sertaneja. A sua vida, depois da viuvez, para ela, acabou, mas eu acho que ela tem muita coisa para deixar e um legado.

Quando chegava no sítio, eu via meus avós sentados esperando felizes, mesmo a gente tendo contato esporadicamente, ás vezes eles viam televisão em uma antena parabólica ou escutava rádio AM. O programa favorito? Raul Gil, gostavam de coisas populares, que trouxessem representatividade.

Vovó veio de uma família rica no interior do Rio Grande do Norte, tinha muitos irmãos, que não sei contar nos dedos, mas vivo parece que são apenas três, conforme falei nesta reportagem, poderia casar com todos os homens possíveis. Ser poderosa e uma dama da sociedade. Mas, ela se apaixonou perdidamente pelo primo Manoel Cícero que tinha voltado do Rio de Janeiro e resolveu ter uma vida dedicada apenas à ele.

Apesar de eu não nascer bela, recatada e do lar, por conta dos ensinamentos de mainha e da vovó Áurea, vovó do Céu me ensinou que é possível amar a mesma pessoa até a sua morte. Se um dia casar, eu quero ser apaixonada do mesmo jeito que eu conheci o rapaz com quem eu quero dividir a minha vida a dois. Nada de casamento de fachada, por favor!

Você pode ler também:  Aluno potiguar ganha bolsa na Havard

Ela largou a boa vida e foi morar num sítio, trabalhando como agricultora junto com meu avô, que era vaqueiro, eles tiveram cinco filhos, incluindo o meu pai. Como diz o matuto: um em cima do outro. Ainda teve a ousadia e criatividade de combinar os nomes, com uma mesma sílaba. Curiosa e brecheira, minha mãe foi perguntar o motivo desta combinação, prontamente respondeu que viu esses nomes através de um livro de significados enquanto estava grávida pela primeira vez.

Então ficou: Nadja, Nedja, Hermano e Helder. A terceira filha, se não tivesse morrido, vovó falava que seria Niedja. Colocaram um nome de santo, algo bem típico do interior quando tem um filho natimorto.

Esta aqui é o lado da minha família

Vovó sempre teve a mesma vidinha, poderia ser monótono e chato para alguns, mas ela gostava disso, das coisas bem controladas, quietas. Assim como o rio que segue de acordo com sua correnteza, a Maria do Céu tinha isso com a vida, deixar as coisas correrem como “Deus queria”. Não se preocupava ou muito menos intrometia com as ironias do destinos. Deixava rolar. Afinal, era isso que a vida tinha que oferecer, pensava.

Para mim sempre foi poético ver que voinha via beleza na vida dedicada ao marido e filhos, quando era pequena via o gosto dela por servir aquela mesa farta de comida gostosa para meu avô, deixá-lo bem arrumado para visitar a cidade ou o defendendo. Se falasse mal do marido, dos filhos ou dos netos, vovó virava uma ariana mesmo, defendia com unhas e dentes.

Mesmo tendo diabetes e taxas de glicose acima do normal, usando uma fita em volta da ferida do tornozelo que nunca cicatrizava, Vovó Do Céu, como eu a chamo, sempre mostrava uma resistência, provando de que a cara de frágil era uma carcaça, pois é bem forte e uma das pessoas mais compreensíveis. A mesma pode não concordar com seu pensamento, mas ela acolhe e te trata com carinho. Só não trata com carinho aqueles que foram muito malvados, pois é de Áries, não tem sangue de barata.

Você pode ler também:  A bonita história do Parque de Capim Macio

Ela acha que contribuiu pouco, mas conseguiu ir muito longe, mais do que imagina. Do seu jeito estimulou os filhos a estudarem e terem a sua própria vida, alguns teimaram e foram à cidade, onde conseguiu emprego, fez faculdade e uma vida melhor, até mesmo uma casa própria. Além disso, vovó teve netos que conseguiram entrar até numa faculdade, algo impensado se pensasse há alguns anos.

Ainda tem a oportunidade de ver vários bisnetos surgirem. Ao todo foram 4 filhos, 9 netos e 6 bisnetos. Aposto que ela ainda conseguirá ver um trisneto.

Vovó, você foi muito longe e vida longa à senhora!

Tags

Commente aqui

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

compartilhe:

Sobre lara

Jornalista e publicitária formada pela UFRN, começou despretensiosamente com um blog para treinar seu lado repórter e virou sua vitrine. Além disso, é mestranda em psicologia na UnP e ainda é doida o suficiente para começar mestrado em Estudo da Mídia na UFRN. Saiba mais sobre esta brechadora.

Desenho: @umsamurai.



Últimas brechadas



Breche aí