Dificuldades de ser transhomem no interior do RN

Dificuldades de ser transhomem no interior do RN

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O que acontece quando você nasce em um corpo errado? Isto é a realidade na vida de muitos transgêneros, eles nascem a partir de um determinado gênero, mas não se identifica com o mesmo. Ou seja, deseja-se mudar. O prefixo trans significa “além de”, “depois de”. O termo também designa pessoas que não se identificam com as noções convencionais de homem ou mulher, combinando ou alternando as duas identidades de gênero.  Além disso, existe o transsexual que se identifica com um gênero específico.

Nicolas é trans natural de Baraúna (Foto: Facebook)
Nicolas é trans natural de Baraúna (Foto: Facebook)

No Rio Grande do Norte, o jovem Nicolas Gomes, de 23 anos, mora no município de Baraúna, que fica distante da capital potiguar por apenas 312 quilômetros. É uma cidade jovem, próxima de Mossoró, o segundo maior município do estado. Ele se descobriu trans no início da vida adulta, quando namorava um homem trans (Ele define que gosta de pessoas, não de gênero), sendo que as mudanças como tomar hormônios e tirar  os seios aconteceram recentemente.

“Me descobri após ter um rolo virtualmente”, afirmou.

Apesar da descoberta real ter sido há pouco tempo, ele relatou que a sua infância era boa, com exceção dos aniversários que era obrigado a usar vestidos e recebia bonecas de presente. “Quando era criança andava direto com aquelas calcinhas enormes, que parecia uma cueca e minha mãe deixava brincar com os meninos da rua. Só tinha vizinhos homem, então brincava de qualquer coisa”, relembrou.

Entretanto, a adolescência chegou e percebeu que algumas mudanças ocorreram. “Queria andar sem blusa o tempo todo, até ter sido obrigado (risos)”.

Sua mudança para Nicolas começou para valer no finalzinho do ano passado, quando criou um Tumblr e fez um vídeo no You Tube para comentar os três primeiros meses tomando a testosterona. Agora, ele deseja ser webdesigner. “Por enquanto estou estudando em casa numas apostilas que uma amiga me deu e queria mesmo era passar em um concurso público ou arrumar um emprego para ficar estudando num concurso enquanto consigo dinheiro para cirurgia de mastectomia.”.

Entretanto, esta não é a realidade das trans que vivem no Brasil. Nas terras tupiniquins, muitas e muitos trans se encontram desempregados e sofrem preconceito todos os dias. De acordo com alguns dados, hoje, 90% da população trans trabalha na prostituição porque não teve uma educação formal, segundo a Associação Brasileiras de Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais.

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O jovem comentou que todos os dias tenta mandar currículos para as empresas locais, mas sem sucesso. “Muitas vezes apenas não tão procurando [pessoas do meu perfil]. Mas, eu vejo muita gente nova trabalhando. Não vou obrigar alguém a me contratar”, lamentou.

Até o ano passado, ele estudava letras na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (Uern), por conta das dificuldades, todavia, não conseguiu dar continuidade ao curso acadêmico.

O sonho do Gomes é fazer a mastectomia, que é a cirurgia para a retirada dos seios. “Quero andar sem camisa para todos os cantos, mas quero continuar trabalhando e estudando, além de ter coragem para fazer exercícios físicos”, comentou. Como ele está desempregado, desde o final do ano criou uma vaquinha na internet cuja intenção é arrecadar quase 10 mil reais daqui a cinco anos para conseguir realizar o sonho.

“Arranjei algum meio para tentar chegar mais perto do meu objetivo. Não consigo arrumar emprego, então pensei procurar os amigos para que pudessem me ajudar. A vaquinha é usada apenas como um alicerce [para conseguir o dinheiro]”, afirmou.

Para esconder o “calcanhar de Aquiles”, ele utiliza binders, que são coletes ou faixas para escondê-los. Na descrição da vaquinha, ele desabafou: “A cada dia que passa eu sou despedaçado aos poucos a cada vez que me visto, ou tomo banho, ou saio na rua. Nunca me verei feliz enquanto tiver essas partes indesejadas, enquanto me vêem como uma pessoa que não sou por causa deles.”.

Apesar das dificuldades, ele ainda continua tomando hormônios para que o seu corpo fique cada vez mais masculino. Além disso, ele relata toda a sua vida no Tumblr.

Até 1997, as cirurgias de mudança de sexo eram proibidas no Brasil. Somente em 2008 o Governo oficializa as cirurgias de redesignação sexual, implantando o chamado ‘Processo Transexualizador’ por meio do Sistema Único de Saúde. Atualmente, cinco hospitais estão habilitados: O Hospital das Clinicas da Universidade Federal de Goiás; Hospital de Clínicas de Porto Alegre; Hospital Universitário Pedro Ernesto, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro; Fundação Faculdade de Medicina da USP; e Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

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Nicolas é trans desde 2014 (Foto: Facebook)
Nicolas é trans desde 2014 (Foto: Facebook)

Para mudar o nome é preciso entrar com uma ação judicial e apresentar ao menos dois laudos médicos atestando que a pessoa é transexual e vive como uma mulher – ou homem – há anos. A transexualidade hoje é reconhecida como um ‘transtorno de identidade’, por isso é necessário apresentar um laudo que comprove esse ‘transtorno’. Documentos como fotos e cartas de amigos atestando que conhecem a pessoa como ela se apresenta também são pedidos.

Além da falta de empregos, um transexual também possui dificuldades no cotidiano, como o preconceito entre familiares e pessoas da cidade. “É difícil lidar com a família, sou bem frouxo e tento evitar conflito. Tento evitar de tocar o assunto com os meus pais, pois sempre ocorre uma briga. Já com a sociedade, eu não perco o meu tempo em lugares passageiros, como supermercado. Mas, quando eu conheço alguém, já me apresento logo como Nicolas”.

Sobre o nome, ainda é uma dificuldade para que os parentes, visto que eles ainda chamam pelo antigo nome. “Eles me tratam o tempo todo pelo nome da falecida (como se refere ao gênero de origem)”, lamentou.

Apesar das dificuldades, ele quer mostrar que ser homem vai muito além dos estereótipos. “Não tenha medo de ser o que é e que ser homem é apenas como se sentir um. Não se prenda aos padrões da sociedade”.

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Sobre lara

Jornalista e publicitária formada pela UFRN, começou despretensiosamente com um blog para treinar seu lado repórter e virou sua vitrine. Além disso, é mestranda em psicologia na UnP e ainda é doida o suficiente para começar mestrado em Estudo da Mídia na UFRN. Saiba mais sobre esta brechadora.

Desenho: @umsamurai.



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